quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O mundo da cozinha

“A comida é uma forma de conexão entre diversas culturas. Conservadoras, embora nada estáticas, as tradições alimentares e gastronômicas são extremamente sensíveis às mudanças, à imitação e às influências externas. Cada tradição é o fruto – sempre provisório – de uma série de inovações e das adaptações que estas provocaram na cultura que as acolheu”, afirma o professor de história da alimentação da Universidade de Bolonha (Itália), Massimo Montanari. Essa é a essência de O Mundo na cozinha: história, identidade, trocas (Editora Senac São Paulo e Estação Liberdade). O livro investiga o fluxo de ideias que influenciou a construção de identidades culinárias, além de explicar e reconstituir os percursos das trocas entre diferentes sociedades.

O organizador Massimo Montanari, uma das principais referências mundiais na área, vem ao Brasil pela primeira vez para lançar a obra, em duas ocasiões: ministra a palestra Não há Inovação sem raízes, não há raízes sem inovação - seguida de autógrafos, no evento Semana Mesa SP 2009, dia 28 de outubro, às 12h; autografa também na livraria Cultura – Conjunto Nacional, dia 29 de outubro, às 19 horas.Fruto de uma conferência realizada na Universidade de Bolonha, em outubro de 2000, a obra traça um vasto panorama do intercâmbio gastronômico e cultural no mundo, especialmente, na Europa, Ásia, África e Américas.

Em oito textos, especialistas estrangeiros em história, antropologia e sociologia mostram como a alimentação se equipara a linguagem, criando intersecções entre diferentes povos. Os artigos debatem também como a comida auxilia na intermediação entre culturas, proporcionando invenções e contaminações, e, mostram porque as identidades mais fortes são aquelas mais abertas ao exterior. “O livro discute como o mundo e sua diversidade está presente na cozinha de todos”, diz Montanari. Para demonstrar essa tese, no artigo de abertura, o professor italiano dá como exemplo a cultura européia da Idade Média. Segundo o historiador, a civilização que surge na Europa, naquela época, é fruto da combinação da tradição romana com a tradição germânica: ao uso do pão, vinho e azeite soma-se a utilização da carne, da cerveja e da gordura animal. “Deriva daí um modelo inédito de produção e de consumo, onde a carne (principalmente a carne de porco) desafia o pão como ‘valor forte’ do sistema, numa dinâmica de integração recíproca, tanto econômica quanto simbólica, que representa, em minha opinião, um dos episódios mais interessantes da história da cultura alimentar”, avalia ele.

Há importantes debates sobre a trajetória da permuta cultural na gastronomia européia – antiga e moderna - e da culinária hebraica, por exemplo, uma cozinha que sofre com a conversação da própria identidade. Ariel Toaff, professor da Universidade Bar-Ilan (Israel), mostra de que maneira o preparo e as restrições às comidas judaicas ultrapassou a origem étnica dos hebreus e se mesclou às demais culturas, como a européia. Toaff demonstra que as imigrações de judeus para a Itália fizeram com que as comidas kasher fossem incorporadas por cristãos e vice-versa. “É um fato incontestável que os hebreus italianos foram menos rígidos nas proibições alimentares no que diz respeito ao consumo de pães, vinhos e queijos”, diz o especialista. Discussões contemporâneas também estão presentes nos ensaios, como o relacionamento entre as culturas locais e o mercado global. Autores, como o francês Jean-Peirre Devroy, explicam porque a noção de território e da culinária regional é uma invenção recente. Nesse contexto, o texto de Devroy debruça-se sobre o caso do Champagne, para falar da exportação de território.

Um estudo de caso sobre a cidade de Bolonha, na Itália, finaliza o livro. Escrito pelo organizador Massimo Montanari, o texto revela como a região tornou-se centro difusor da gastronomia européia. Segundo o historiador, o modelo bolonhês foi construído principalmente a partir da capacidade de conexão com outras culturas culinárias, integrando essas descobertas à sua identidade.

Serviço
O mundo na cozinha História, identidade, trocas
Organizador: Massimo Montanari
Tradução: Valéria Pereira da Silva
262 páginas - R$ 45,00 (em média)
Editora Estação Liberdade

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