Num dia de julho de 1873, o poeta Paul Verlaine andava pelas ruas de Londres levando uma rara provisão de comida e a dose costumeira de bebida para a casa onde vivia com Arthur Rimbaud, o jovem talentoso por quem há pouco mais de um ano abandonara a mulher, o filho, o emprego, e de modo geral todos os compromissos que até então faziam dele um integrante respeitável da sociedade parisiense.
Ao se aproximar do número 8 da Great College Street, porém, ouviu o grito sarcástico do amante: “Que ar de babaca, com esse arenque e a garrafa na mão!”.
Seria apenas uma provocação infantil, não fossem as incontáveis punhaladas (metafóricas e literais) já trocadas pelos dois escritores em sua rotina de brigas, bebedeiras e penúria.
Decidido a encerrar o relacionamento que descreveu como “um amor de tigres”, Verlaine embarcou para a Antuérpia. Abandonado, Rimbaud escreveu ao amante uma carta derramada: “Volte, volte, querido amigo, único amigo, volte. Juro que serei bom. Se fui mordaz com você, foi só por besteira e teimosia, arrependo-me mais do que se possa dizer”. Verlaine tinha motivos para duvidar.
Longe de ser uma besteira ocasional, a mordacidade era um hábito cultivado com prazer pelo remetente, como se pode ver no recémlançado “Arthur Rimbaud: Correspondência” (Topbooks, 476 páginas, R$ 59).
Primeira edição brasileira a reunir todas as cartas conhecidas de Rimbaud, o livro traz escritos que vão da adolescência aos últimos dias do poeta, expondo uma vida intensa e atribulada, partida em duas metades: a do jovem brilhante, talentoso e impertinente que entremeava maledicências e trocadilhos escatológicos com poemas hoje contados entre os maiores da literatura moderna; e a do comerciante objetivo que relatava em tom sóbrio suas expedições pela África, onde tentava juntar dinheiro para um dia viver de renda, sem trabalhar
Texto tirado do jornal O Globo
Serviço
Arthur Rimbaud - Correspondências
Arthur Rimbaud
Tradução: Ivo Barroso
476 págins - R$ 59,00 (em média)
Editora Topbooks
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