sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Noel Rosa - 100 anos de samba - Júlio Diniz


O ano começou ontem para Noel Rosa (1910 -1937). Protagonista do desfile do G.R.E.S. Vila Isabel, quinta escola a passar pela Marquês de Sapucaí na madrugada dessa segunda-feira, o compositor ganha, no decorrer de 2010, uma série de homenagens pelo centenário de seu nascimento.

Outro ícone daquele bairro, Martinho da Vila está envolvido em, por enquanto, dois desses eventos. Além de ser autor do samba-enredo mostrado ontem na avenida, é o principal artista do disco que virá encartado em "Noel Rosa -100 Anos de Samba", livro programado para chegar às lojas em maio.

O projeto foi idealizado por Júlio Diniz, do departamento de Letras da Puc-Rio, e é parceria entre a Editora Puc-Rio e a gravadora Biscoito Fino.

Em fase de produção, o CD vai trazer sambas menos conhecidos de Noel. Quem os interpreta é Martinho e a família, incluindo os filhos Tunico Ferreira, Analimar e Mart'nália.

Já o livro reúne 14 textos inéditos, maior parte deles escrita por figuras do meio acadêmico, que vão analisar diferentes aspectos da obra de Noel.

"Cada texto tem como fio condutor um samba de Noel --ou, em alguns casos, um grupo deles", diz Diniz. "Trazem à tona o Rio da época, a malandragem, a boemia, a arte."

Santuza Cambraia Naves, professora do Departamento de Sociologia e Política da Puc-Rio, traça paralelos entre Noel e o modernismo.

"Apesar de não ser um intelectual, Noel fez canções que realizam a estética modernista", ela diz. "O samba "Gago Apaixonado", por exemplo, é completamente metalinguístico. A música gagueja junto com a letra. Isso só aconteceria de novo com tamanha eficiência em composições da bossa nova, como "Samba de uma Nota Só'".

Segundo Santuza, ao mesmo tempo em que tem um eu lírico apaixonado, Noel nunca perde o humor. O amor em suas canções não é trágico.

Autora do livro "No Fio da Navalha: Malandragem na Literatura e no Samba" (Casa da Palavra), Giovanna Dealtry redimensiona o "duelo" entre Noel e Wilson Batista.

"Ao responder, em forma de canção, o samba "Lenço no Pescoço", Noel iniciou um diálogo com Batista que gerou nove sambas -inclusive o tão famoso "Feitiço da Vila'", ela conta. "Noel se incomodava com essa exaltação do malandro de navalha na mão. O que propunha era uma malandragem mais leve, menos visada pela polícia. Apesar de circular no morro, ele era branco e filho da classe média. "

Em seu capítulo no livro, Júlio Diniz rememora a redescoberta de Noel nos anos 1960, bancada principalmente pelo encontro e amizade de Maria Bethânia com Aracy de Almeida, ainda hoje considerada uma das maiores intérpretes do compositor da Vila.

"Bethânia mantém a linha de interpretação de Aracy, só que em outro contexto", ele diz. "Grava sambas de Noel ao lado de canções tropicalistas de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Tradição e inovação são tratadas, ali, como uma coisa só."

Diniz dedica muitas linhas de sua tese às primeiras composições de Chico Buarque e lembra que o jovem artista seguiu de perto a escola poética do veterano, acrescentando a ela as harmonias sofisticadas aprendidas com a bossa nova.

Como seu tempo é outro, "devagar, devagarinho", Martinho não tem certeza se vai conseguir escrever seu texto em tempo hábil para o lançamento do livro. Mas tem muito a dizer sobre Noel, responsável, segundo ele, pela "elevada autoestima da minha Vila Isabel". Quer abordar a da postura política e social de Noel.

"Ele combateu preconceitos contra músico, contra mulher, contra cantor, contra sambista, contra negro. Fez parcerias com Cartola, Ismael Silva, com a negrada toda", diz. "Até o preconceito sexual que era terrível ele combatia. Dedicou a Madame Satã, que era negro, bandido e homossexual. Quem na música popular brasileira fez mais do que isso?"

Serviço
Noel Rosa - 100 anos de samba
Júlio Diniz
Lançamento em Março
Editora PUC Rio e gravadora Biscoito Fino

Post tirado do jornal Folha de São Paulo

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