quinta-feira, 13 de maio de 2010

Depressões - Herta Müller


Herta Müller nada tem de realista, muito menos de naturalista. Sua prosa é avara de indicações de tempo e espaço, incluindo as mais prosaicas (em mais de um sentido), como os nomes dos personagens. Não há nomes de personagens, de cidades (ou vilas, pois os contos têm ambientação rural), de ruas, de países, não há datas nem referências nominais a acontecimentos históricos. Tudo se passa em certo imediatismo constatativo, como na magistral descrição das muitas fotos do pai da narradora pregadas nas paredes da sala, em “O discurso fúnebre”. O resultado é um estranho híbrido em que tudo parece muito imediato e real e, ao mesmo tempo, inacessível e onírico: concreto e rarefeito. Desde que onírico não leve aqui a se pensar em sonhos agradáveis, ainda que não se trate de pesadelos particularmente opressivos. Uma certa banalidade da incompreensão de tudo, se se pode dizer assim.

Em termos estilísticos, o que mais impressiona em Herta Müller é a recusa à subordinação gramatical, e o uso, portanto, de frases paratáticas, ou “paralelas”, que simplesmente se seguem umas às outras, e não se articulam de fato. Não há conectivos e conjunções, mas uma sucessão de frases curtas e constatativas. Se, por um lado, isso dá ao texto uma grande modernidade (além de plasticidade), por outro materializa a impossibilidade de compreensão, de explicação, de razão. As coisas não têm motivos, ao menos, não motivos compreensíveis, têm apenas realidade. É como se Kafka houvesse se impregnado de Camus, cujo Estrangeiro começa com uma frase “mülleriana”: “Hoje mamãe morreu”. Herta Müller leva a incompreensibilidade psicológico-social de um e a incompreensibilidade existencial de outro aos seus limites máximos, e funde tudo no cadinho de seu agudo estilo “pós-metafísico”. Bem-vindos à sombria lucidez contemporânea.

Serviço
Depressões
Herta Müller
162 páginas - R$ 29,90 (em média)
Editora Globo

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