Tarefa difícil dar conta da magnitude de Os moedeiros falsos. Romance sobre a construção do romance, é ao mesmo tempo romance de formação, flerta com o estilo folhetinesco, com o romance policial, o romance de ideias... Diz o personagem Édouard a certa altura: “[...] as ideias, confesso, interessam-me mais do que os homens; interessam-me acima de tudo. Elas vivem; combatem; agonizam como os homens. Naturalmente pode-se dizer que só as conhecemos pelos homens, assim como só temos conhecimento do vento pelos caniços que ele inclina; mas mesmo assim o vento importa mais que os caniços.”
Bernard, Olivier e Édouard são os rapazes que formam a tríade central de personagens. Bernard, o filho que deixa o lar em busca de identidade, um bastardo na pele do filho pródigo; Olivier, seu grande amigo, intelectual como ele, mas sempre no limiar entre a vaidade e a insegurança. Tio de Olivier, algo mais velho que os dois, Édouard fecha o núcleo que norteará o leitor em meio ao sistema caleidoscópico e polifônico de Os moedeiros falsos. Em especial este último: é por meio do diário de Édouard (escritor, ele planeja escrever um romance chamado Os moedeiros falsos) que o leitor é tragado pela estrutura abismal — mise en abyme, segundo Gide — da obra dentro da obra, onde os limites entre o ficcional e o real se atenuam e vêm à tona a metalinguagem e a reflexão sobre as possibilidades e os limites de um romance.
Anterior ao esquema de falsificação armado por Victor Strouvilhou, quiçá esteja outro tipo de “moeda falsa”. Se nos Porões do Vaticano o elemento diabólico encontra seu totem na figura de Lafcadio, aqui ele se dissemina. Há como que uma brisa funesta a perpassar todo o enredo, o qual, no entanto, encontra seu equilíbrio na juventude e na pureza de alguns de seus cativantes personagens: um erotismo sutil, combinado com a causalidade e a inconsequência. “Quando eu era mais jovem, tomava resoluções que imaginava nada virtuosas. Preocupava-me menos em ser quem era do que em me tornar quem pretendia ser. Agora, pouco me falta para ver na irresolução o segredo para não envelhecer.”
Serviço
Diário dos Moederios Falsos
André Gide
Tradução: Mário Laranjeira
144 páginas - R$ 62,00 (em média)
Editora Estação Liberdade
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